terça-feira, 10 de julho de 2007

PROJETAR

O que é projeto? O que é projetar?

Projeto é por excelência a matéria e o meio de trabalho do arquiteto que, necessariamente, esta sempre lidando com o projeto: fazendo, investigando, julgando ou construindo... Nos dicionários, as palavras “projetar” e “construir” são as mais comuns em todos vocábulos relativos a arquitetura e os dicionários definem da palavra projeto como “plano geral de trabalho ou de um ato”, “intento de fazer alguma coisa”, “desígnio” (nesse sentido igual a palavra desenho) e “iniciativa”. Enfim, todas as conotações da palavra projeto o associam a um estado mental que leva a um movimento para frente, com uma origem e um fim planejado, uma representação do futuro que se tenciona produzir senão através de um processo formal de representação, então através de uma ação pensada.

Para Alfonso Corona Martinez, citado em Del Rio (1998, p. 203), design é “a invenção de um objeto por meio de outro que o precede no tempo”, e que este primeiro objeto é, justamente, o projeto. Ou seja, desenho e projeto se confundem, tanto como finalidade quanto como meio de expressão. Não por acaso, a etimologia das duas palavras as aproxima: ambas dependem da existência da intenção, de uma imagem mental e de representação. Portanto, a elaboração do projeto é dependente tanto da nossa criatividade – porque, como qualquer outra atividade humana, é a atividade cognitiva – quanto da nossa capacidade de síntese, de abstração, de criação e de representação.

Falando agora um pouco em criatividade, qual é o significado dessa palavra?

Novamente recorrendo ao dicionário, observa-se que criatividade é a qualidade do criativo (imaginativo); capacidade criadora; engenho; inventividade.

Todas essas palavras remetem a uma certa subjetividade muito questionada no âmbito da arquitetura relacionada ao “projetar”. Não é à toa que para alguns, a criatividade é entendida como um “fenômeno psicológico vago e misterioso, derivado de categorias como inspiração, talento ou intuição”.

Ora, se a elaboração do projeto é dependente da nossa criatividade, então o projeto que edifica coisas tão reais e concretas (às vezes literalmente, rs) também é subjetivo?

Daí eu volto na questão do projeto: se alguém projeta hoje, é porque um dia aprendeu a projetar, certo? Partindo do principio de que ninguém nasce sabendo, então, como se aprende a projetar, se projeto, pela definição de criatividade é algo subjetivo?

Acontece que hoje eu percebo (e Vicente Del Rio – 1998 – me confirma em seu textoProjeto de arquitetura: criatividade e método”, no qual eu me baseio para essa escrever postagem), que existe uma crise nas escolas de arquitetura, principalmente no que diz respeito ao ensino de projeto nos famosos PAs... estaria surgindo por conta de uma (...) influência danosa das exacerbações do paradigma modernista e do estilo internacional, e pelo dogma que arquitetura se aprende fazendo e só depende de criatividade e inspiração, o que gera, com isso, o mito da criatividade que possuiria um papel preponderante no ensino, por conta da “inexistencia de uma disciplina projetual cientificamente estruturada” fazendo com que a criatividade fosse entendida da forma como defini anteriormente.

Contrário a noção de que ser criativo quer dizer possuir inspiração inata, Comas, através de Del Ri, observou que, mesmo aceitando-se a intuição como relevante na concepção de um partido, “é muito improvável que ela brote de um vazio subitamente iluminado”. Esta também é a compreensão de Mahfuz (1995), para quem “a atividade de criação exercida por arquitetos e designers não parte de uma tábula rasa, nem da consideração exclusiva de aspectos estruturais e programáticos e pode ser definida como a atividade que se baseia em grande parte na interpretação e adaptação de precedentes”. Ou seja, ser criativo não quer dizer reinventar a roda ou inspirar-se no vácuo, num momento que depois de horas sem dormir, regado a muito cafezinho, baixa a inspiração pra “o partido” ou a “solução”, como num passe de mágica. Um mito tolo que alguns colegas cismam em incentivar, escondidos atrás da aura de suas genialidades criativas.

Del Rio acrescenta que “(...)falta orientação conceitual e metodológica para desenvolvimento de projeto e indica a necessidade do ensino de projeto reconhecer o papel didático das metodologias projetuais claras e explicitas, como uma forma de incentivo à criatividade , ao mesmo tempo que aproxima o projeto a uma atividade mais cientifica e controlável (...).

Não se tratava de negar a criatividade no processo de projeto, mas de admitir que ela possa ser desenvolvida, “educada” pelo conhecimento, pelo treinamento e pela capacidade de compreensão dos fenômenos onde está imersa a arquitetura.

O mais importante para o ensino de projeto é a promoção de metodologias que, sem impedir a manifestação da criatividade, possam estar sempre fundamentadas na compreensão do inter-relacionamento entre o homem e o seu ambiente, principalmente em níveis psicológico, comportamental, social e cultural, métodos projetuais mais conscientes, que busquem o equilíbrio do triangulo de Vitrúvio (Durabilidade - técnica e resistência - Beleza - arte e estética- e Convivência - responder às necessidades do usuário) e menos destrutivos das lógicas pré-existentes, participativos e em consonância com as expectativas do público usuário, certamente irão gerar um desenvolvimento extremamente positivo nas capacidades de resposta de nossas arquiteturas.

Pode-se assumir um processo de projeto mais “cieníifico”, passível de verificação e disciplinado por uma metodologia, onde a criatividade possui importante papel e pode se manifestar em vários momentos, nas diversas etapas, e sob varias formas diferentes.

Neste procedimento, que pode ser classificado como mais racional, a criatividade possui maiores chances de expressar-se do que no método intuitivo tradicional, pois é direcionada através de procedimentos lógicos em um “caminho” de projeto.

A presença da criatividade no processo de projeto

Del Rio, 1998, p. 209

Na verdade, pode-se ser criativo tanto na técnica e nas maneiras de conduzir um levantamento de campo, quanto na definição de um partido geral ou na resolução de um problema de insolação. Além disso, um método bem delineado também leva a uma melhor compreensão/controle do papel, das implicações e rebatimentos da criatividade e da subjetividade no projeto.

Desta forma observa-se que surgem duas novas palavras na definição do que é projeto, alem de criatividade. São elas: Partido e método

Uma das varias definições de arquitetura existentes, já comentadas numa postagem prévia, é a de Carlos Lemos (1980) que indica a arquitetura como toda e qualquer intervenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre com determinada intenção plástica, para atender a necessidades imediatas ou a expectativas programadas, e caracterizada por aquilo que chamamos de partido. Partido, então, seria uma conseqüência formal derivada de uma serie de condicionantes ou de determinantes; seria o resultado físico da intervenção sugerida. Os principais determinantes ou condicionadores do partido seriam: a técnica construtiva, segundo os recursos locais, tanto humanos como materiais, que inclui aquela intenção plástica, às vezes, subordinada aos estilos arquitetônicos; o clima; as condições físicas e topográficas do sítio onde se intervem; o programa das necessidades, segundo os usos costumes populares ou conveniências do empreendedor; as condições financeiras do empreendedor dentro do quadro econômico da sociedade; a legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as regras da funcionalidade; que são nada menos do que condicionantes de projeto.

Esses determinantes e condicionantes de partido necessariamente mantém relações entre si, julgando a questão da definição arquitetônica no tempo e no espaço, em que se observa as variadas condições culturais determinando arquiteturas diferentes, não havendo possibilidades de repetições ou de identidades absolutas. Queira-se ou não, cada povo, em cada região, terá sua própria arquitetura.

E uma forma de conceber essa arquitetura pelo processo de projeto além de usar o partido, a criatividade é por meio de metodologias explicitadas por Del Rio, muito conhecidas das disciplinas teóricas no curso de arquitetura.

Mahfuz (1995,) também citado por Del Rio (1998) afirma que “(...) a composição de um projeto consiste na criação de um todo através de suas partes”, assim, “na composição arquitetônica, o sentido de progressão é das partes para o todo, e não do todo para as partes”. As partes seriam juntadas como elementos de uma sintaxe, de acordo com regras definidas a priori, ou não, para formar o todo; os espaços podem ser as partes principais e os elementos construtivos e detalhes as secundárias, ou vice-versa.

Segundo este entendimento, existem quatro métodos de composição que tem em comum o emprego de analogias do processo de criação:

  • Método Inovativo: resolve-se arquitetura sem apelar a precedentes, ou de uma maneira diferente da usual; sinônimo de invenção; ligado à busca de novas aplicações de técnicas e materiais. Arquitetos que seguem essa doutrina: Frank L. Wright, Oscar Niemeyer, Norman Foster, Faye Jones e Antonie Predock.
  • Método Tipológico: entende por tipo a estrutura interior ou o principio gerador de uma forma; pressupõe a existência de constantes formais, organizacionais ou estruturais. Arquitetos que seguem essa doutrina: Aldo Rossi, Carlo Aymonino, Rob e Leo Krier, Charles Correa, Duany & Zyberg.
  • Método Mimético: os novos artefatos são gerados a partir da ilimitacao de modelos/objetos existentes, com as variações de revivalismo estilistoco, ecletismo estilístico e analogia estilística. Arquitetos que seguem essa doutrina: Alvar Aalto, Frank L. Wright, Bruce Geoff, Bart Prince, Robert Venturi e Charles Moore.
  • Método Normativo: as formas são criadas com auxilio de normas estéticas ou princípios reguladores como geometrias pré-determinadas e regras de combinação. Arquitetos que seguem esta doutrina: Le Corbusier, Walter Gropius, Mies Van der Rohe, Richard Méier e Peter Eisenman.

Voltando à questão inicial, “(...) o processo de projeto possui doses de criatividade que o aproximam de uma atividade artística, mas, como observou Roger ferris (1996), embora o ideal artístico tenha valor intrínseco para a profissão, ele sempre subverte as possibilidades ideológicas com base no conhecimento racional ou tecnológico. Ou seja, apesar da arquitetura possuir um corpo sistematizado de conhecimentos técnicos e científicos, ela também assume valores estéticos incomensuráveis”.

Concluindo, o mais importante para o ensino de projeto é a promoção de metodologias que, sem impedir a manifestação da criatividade, possa estar sempre fundamentadas na compreensão do inter-relacionamento entre o homem e o seu ambiente, principalmente em níveis psicológico, comportamental, social e cultural, métodos projetuais mais conscientes, que busquem o equilíbrio do triângulo de Vitrúvio e menos destrutivos das lógicas pré-existentes, participativos e em consonância com as expectativas do público usuário, certamente irão gerar um desenvolvimento extremamente positivo nas capacidades de resposta de nossas arquiteturas.

O arquiteto deve atuar inserido nas especificidades dos contextos e deve atender a sua responsabilidade social, fazendo com que o paradigma social se some ao artístico e ao tecnológico, de modo a voltar o processo de projeto às reais necessidades do usuário, ao seu comportamento, suas percepções e expectativas.

Afinal, como disse Joaquim Cardoso, "os muros das construções são o papel onde se inscreveram as páginas da história, onde ainda se inscrevem as mensagens para o futuro. E escrever estas mensagens, cabe ao arquiteto".


Postagem formulada sobre fragmentos do texto Projeto de Arquitetura - Criatividade e Método de Vicente Del Rio, no livro Arquitetura: Pesquisa e Projeto, Rio de Janeiro, 1998

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